Falta de mão de obra ameaça operações de empresas de logística
Envelhecimento da força de trabalho, alto custo de entrada e condições menos atrativas impulsionam migração de profissionais para plataformas digitais, acirrando a competição por vagas

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego no país está em 5,8%. Porém, em um território de dimensões continentais como o Brasil, a empregabilidade não é homogênea - seja entre regiões, seja entre setores.

No primeiro trimestre de 2025, dados do FGV IBRE revelaram que 58,1% das empresas de serviços enfrentam dificuldade para contratar mão de obra qualificada, sendo a logística um dos segmentos mais afetados. Ao mesmo tempo, outra pesquisa da instituição mostra que 43,8% dos brasileiros acreditam ser difícil conseguir trabalho, revelando a contradição entre o desemprego estatisticamente baixo e a percepção de dificuldade em conseguir emprego.
No setor logístico, esse descompasso se reflete em uma lacuna crítica de motoristas. Além do envelhecimento da categoria e da baixa reposição de profissionais, outro fator começa a ganhar espaço no debate: a concorrência de aplicativos de transporte e entrega, que atraem trabalhadores pela maior flexibilidade, barreiras de entrada reduzidas e remuneração competitiva.
É nesse contexto que Giovanna Gregori, fundadora da People Leap e executiva de RH, aponta para a necessidade de analisar as causas de forma mais ampla e evitar explicações simplistas. "Há evidência sólida de escassez e envelhecimento em funções críticas, como motoristas de caminhão. A ideia de que 'os jovens não querem' é um atalho explicativo. Parte do problema é custo de entrada, condições e atratividade relativa frente a alternativas, como aplicativos. O elo causal 'apps e fuga da logística' ainda não foi demonstrado por estudos formais, mas há sinais plausíveis de competição por mão de obra de entrada", afirma. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego do país está em 5,8%. Porém, em um país de dimensões continentais, a empregabilidade não é homogênea, não apenas em certas regiões, mas também entre setores.
Mantendo a força de trabalho
Um levantamento do ILOS aponta que o número de condutores de caminhão caiu 20% em uma década, passando de 5,5 milhões em 2014 para 4,4 milhões em 2024. Apenas 4% têm até 30 anos, enquanto a maior parte se concentra acima dos 50. A tendência também se observa em escala global. Dados da International Road Transport Union (IRU) indicam que, nos 36 países analisados, apenas 6,5% dos motoristas têm menos de 25 anos, e a idade média é de 44,5 anos. As exceções são a China (17%) e o Uzbequistão (25%), que conseguem atrair jovens em maior proporção que a média mundial.
A concorrência dos aplicativos
Embora não haja comprovação científica de causa e efeito, especialistas apontam que os aplicativos de transporte e entrega passaram a disputar diretamente a mesma base de trabalhadores que a logística tradicional precisa repor. Segundo dados do FGV IBRE, em 2024, 54% dos entregadores e 58% dos motoristas de aplicativo tinham nos apps sua única fonte de renda. Além disso, a maior parte desse contingente não buscava outras ocupações: 67% dos entregadores e 63% dos motoristas declararam não procurar outro emprego, consolidando os aplicativos como principal ocupação e não apenas atividade complementar.
Essa migração se explica, em parte, pela atratividade do modelo. A pesquisa aponta uma remuneração média de R$ 47 por corrida para motoristas e R$ 31,33 para entregadores, valores competitivos diante da logística tradicional, especialmente quando considerados fatores como flexibilidade de horários e menores barreiras de entrada.
Para Giovanna Gregori, a questão não é apenas financeira, mas estrutural: "Não foram encontrados estudos que provem que o crescimento dos apps cause a queda na entrada de profissionais na logística 'tradicional'. Porém, é plausível que a combinação de baixo investimento inicial, ausência de necessidade de veículo próprio, barreiras regulatórias menores e horários mais flexíveis torne os aplicativos competidores diretos por trabalhadores jovens e iniciantes, enquanto a logística rodoviária exige habilitações superiores, experiência, viagens longas e enfrenta infraestrutura deficiente", explica.
Segundo a executiva, se a logística não reduzir barreiras de entrada e não tornar a carreira mais atrativa, continuará perdendo espaço para os aplicativos. Gregori ressalta que a retenção da mão de obra passa por remuneração competitiva e transparente, melhores condições de trabalho e perspectivas de progressão profissional.