Cristina Caldeira detalha desafios de novas empresas e impactos de políticas globais no real estate
Empresas estrangeiras enfrentam mais exigências para locar imóveis no Brasil, enquanto fundos e seguradoras ajustam o apetite ao risco diante de incertezas macroeconômicas e políticas protecionistas

O mercado de real estate obedece à mesma lógica dos demais: o dinheiro. Aluguéis, vendas e qualquer movimentação têm um objetivo em comum: o lucro. Quando observamos o universo dos fundos de investimento imobiliário, essa lógica se torna ainda mais evidente.

Mas, como em qualquer tipo de investimento, há riscos. No caso dos contratos locatícios, estamos falando de acordos que frequentemente se estendem por um ou mais quinquênios. Com uma previsão "garantida" de cinco anos de pagamentos mensais que ultrapassam seis dígitos, os proprietários precisam de segurança para assegurar seus rendimentos.
Em um bate-papo com Cristina Caldeira, CEO e fundadora da Unioncorp, a executiva compartilhou alguns insights sobre o funcionamento dos seguros locatícios e como o mercado afeta ele. Diferentemente do seguro patrimonial — em que o bem, a localização e outros fatores são avaliados, o seguro locatício tem como foco o CNPJ do inquilino. Por sua natureza, essa modalidade avalia o crédito da empresa locatária. Portanto, não há regionalização: uma empresa com bom histórico de crédito, seja em Guarulhos, em São Paulo, ou Xique-Xique, na Bahia, será vista com menor risco.
"Condomínios logísticos são locados por pessoas jurídicas, e seu perfil de risco é avaliado e taxado em função de sua situação econômico-financeira. Por isso, não há uma regionalização de taxas, como ocorre no setor residencial", explica Caldeira.
A análise considera os últimos balanços, demonstrativos de resultados e o nível de endividamento, com o objetivo de entender se a locatária tem capacidade de arcar com aquela despesa.
Macroeconomia e seus reflexos nos seguros locatícios
O bate-papo com Caldeira deixou claro que não é apenas a empresa que importa, mas todo o contexto em que ela está inserida. Políticas tarifárias internacionais, como a imposta pelos Estados Unidos, que taxou todos os países do mundo, têm potencial de repercutir no mercado de seguros locatícios.
No caso de empresas estrangeiras, o cenário macroeconômico é ainda mais determinante para a saúde financeira. Tensões comerciais impactam a volatilidade cambial, e políticas protecionistas, como as implementadas por Donald Trump, afetam diretamente empresas que dependem de insumos estrangeiros.
"Sempre estamos de olho nisso [na macroeconomia]. Todo mundo que concede crédito fica mais receoso e restritivo, e acaba atribuindo uma taxa de risco um pouco maior", afirma Caldeira. "Com o dólar oscilando e taxas sobre taxas, o mercado está apreensivo, em compasso de espera, aguardando as coisas se acomodarem."
Segundo ela, por ser uma situação relativamente recente, os efeitos mais profundos das medidas protecionistas ainda não foram sentidos. Quanto mais exposta ao mercado internacional for a empresa, especialmente aquelas que dependem de insumos e produtos de fora, maior a probabilidade de sofrer impactos.
Recentemente, Trump anunciou um recuo na taxação dos países, uma pausa de 90 dias (os quais não se aplicam a China). A política protecionista fez com que a Amazon cancelasse a compra de produtos chineses e a empresa de construção de máquinas Haas diminuiu sua produção. A empresa de coleta de dados Vizion já sinalizou um recuo nas reservas globais de contêiners e na diminuição da importação norte-americana em 64%.
Depois da fronteira
O histórico financeiro é o principal critério para definição do seguro locatício. Mas e quando a empresa é nova no país? Sem histórico local, torna-se difícil conseguir qualquer tipo de crédito. Nesse contexto, outras formas de garantia passam a ser consideradas.
"Títulos de capitalização. Estamos vendo um uso crescente dessa modalidade. Percebemos que esse tipo de imóvel locado [condomínios logísticos] pertence, em geral, a fundos e investidores. Essas pessoas já têm um perfil de maior apetite ao risco e estão dispostas a aceitar um caução", afirma.
Com tom de compreensão, Caldeira reconhece que essas empresas enfrentam dificuldades para conseguir crédito no início. Ela relembra o período de chegada de muitas companhias ao Brasil, quando a demanda crescia rapidamente, e algumas delas mal tinham um gerente nomeado ou mesmo um endereço fixo.
"As empresas não possuíam sequer CNPJ, mas tinham capital, tinham investidores por trás. Por isso o título de capitalização é interessante: ele não é limitado. A caução, por exemplo, é restrita a três aluguéis. Já o título de capitalização não possui esse teto."
De acordo com o Mapa de Empresas do Governo Federal, em 2024, 77 mil empresas foram abertas. Além disso, de um total de 22.7 milhões de empresas ativas, 370 mil são do segmento de Transporte e Logística.
Dados do Market Analytics da SiiLA mostram que as empresas desse segmento representam 31% da locação de condomínios logísticos em todo o país.