FII que testa nervos de gestor
Um Fundo Imobiliário lançado no início da pandemia já seria um fator de nervosismo. Ainda mais com hotéis como ativos. Conheça o MGHT11 nesta entrevista exclusiva do gestor Daniel Caldeira

Sintomas de estresse podem ser comuns em profissionais do mercado financeiro. Afinal, buscar rendimentos em tempos tão difíceis na economia do mundo e do Brasil não se trata de um trabalho que proporciona qualidade de vida.
Agora, se coloque no lugar de um gestor de Fundo Imobiliário do segmento de hotéis lançado em dezembro de 2019, momento em que também surgia um novo vírus responsável por uma doença altamente contagiosa e letal.

Daniel Caldeira é o nome dele, gestor do Fundo Imobiliário Mogno Hotéis (MGHT11).
“A pandemia foi um período muito estressante. Pela primeira vez na vida, eu passei a ter dificuldade para dormir”, releva.
A parceria que o fundo tem com a rede hoteleira mundial Selina serviu como alicerce não só para o enfrentamento do período, mas também para a busca de oportunidades para diversificar o portfólio do FII.
“Quando a pandemia estourou aqui no Brasil, em março de 2020, comentei com meu sócio Oswaldo que o fundo seria o nosso maior pesadelo. O turismo fechou, as linhas aéreas derreteram, assim como as linhas de cruzeiros. Então, ligamos para o Rafi [Rafael Museri, CEO e co-fundador da Selina] e ele respondeu que não entendia o motivo da nossa preocupação porque era a hora certa para comprar hotel barato”.
A estrutura do fundo foi outra aliada para a manutenção da resiliência necessária durante a pandemia e ainda permitir aquisições.
O MGHT11 é um fundo híbrido de tijolo e de papel, ou seja, possui portfólio com ativos físicos e também certificados de recebíveis imobiliários (CRIs). Nas operações com os hotéis, há sempre um aluguel mínimo para o fundo independentemente do desempenho do ativo.
“No fim, o Mogno Hotéis foi o nosso fundo que nos deu menos dor de cabeça durante a pandemia”, conta Caldeira.
No período, o fundo comprou um hotel em Búzios, no Rio de Janeiro, que está em fase final de retrofit – modernização arquitetônica que preserva características originais do imóvel. Em breve, o FII também vai inaugurar hotéis em Foz do Iguaçu, no Paraná, e em Bonito, no Mato Grosso do Sul.
Outro negócio recente do MGHT11 foi na praia de Copacabana, no Rio.
“A gente tem um acordo com a Selina de ter um aluguel mínimo e um aluguel percentual. Nesta operação de Copacabana, o proprietário estava disposto a vender o imóvel, mas queria um preço sem pé nem cabeça na nossa visão. Então, optamos por uma operação de dívida com CRI e não pela compra”.
Em todas as operações, o fundo tem 20% do Ebitda – lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização – como taxa de performance. Foi o caso de Copacabana.
Outra compra foi de um Hilton Canopi, no bairro dos Jardins, em São Paulo.
“Colocamos R$ 6 milhões nessa operação com uma remuneração mínima de IPCA mais 6,5% com a opção de comprar até 50% do imóvel, mas a pandemia atrasou a abertura do hotel. Optamos por não exercer a opção e o proprietário não tinha condição de nos devolver o capital. Então, renegociamos os termos. Rolamos a opção para o final deste ano com uma remuneração maior de IPCA mais 10%”.
Mas o objeto de desejo do fundo é um hotel em Jericoacoara, no Ceará.
“Jericoacoara, depois de três meses de pandemia, estava com 100% de ocupação. O cara não quer nem saber (risos)”.
Distribuição ‘ponta firme’ a cotistas
Outra conquista do MGHT11 foi ser o único fundo de hotel que não interrompeu a distribuição a cotistas durante a pandemia. Houve apenas reduções, como em abril de 2021 quando o fundo pagou R$ 0,51 por cota. Desde outubro, o valor pago está em R$ 0,80, sendo que o dividend yield em janeiro foi de 0,91%.
“É claro que a gente gostaria de ter entregue um resultado melhor para os cotistas. Isso poderia ter acontecido se, em 2020 e 2021, os hotéis não tivessem somado um Ebitda negativo. Além do aluguel que a gente recebe, a gente teria distribuído uma performance a mais”, explica Caldeira.
O gestor ainda afirma que o mês de janeiro já apresentou Ebitda positivo com a melhora dos hotéis que passaram a entregar resultados positivos.
“Foi o melhor momento para comprar hotel e a gente ainda conseguiu casar isso com uma estrutura que manteve a renda ao longo do tempo”, celebra.
Planos do MGHT11 para 2022
Caldeira afirma que o momento é de grandes oportunidades para aquisições, mas também não gostaria de fazer uma emissão com a cota muito abaixo do valor patrimonial.
“Tem muita coisa boa para comprar: 95% das operações hoteleiras no Brasil são ‘não profissionais’, ou seja, de empresas familiares que sofreram muito com a pandemia. Já os outros 5% das operações estão com redes como Ibis, Fasano e Hilton”.
O gestor acredita que a perspectiva de melhora do setor é muito boa porque as pessoas estão ávidas para voltar a viajar.
“O que me deixa muito animado é olhar que, mesmo em um momento de pandemia, a gente tem ocupação na casa dos 50%, além de experimentar uma recuperação relevante de taxa média de ocupação”.
Participação com base na soma de resultados
No FII Mogno Hotéis, a participação no resultado é sobre a soma da performance de todos os hotéis. Assim, no caso de haver um hotel com lucro e dois com prejuízo, se a soma for negativa, o fundo não recebe nada.
“Em geral, o hotel abre com prejuízo e, por isso, conforme o fundo vai adquirindo mais propriedades, elas vão ficando mais maduras e o efeito das novas aberturas vai sendo menor. A gente está em um momento com portfólio maior, mais diversificado e mais maduro”, comemora Caldeira.
Turismo de lazer mais aquecido
Outro ponto destacado por Caldeira é a recuperação mais rápida do retorno de hóspedes de turismo de lazer do que de negócios. Isso porque os líderes de empresas não querem expor colaboradores ao risco de contágio e, além disso, os meios online de comunicação representam uma economia da qual as companhias não vão abrir mão tão facilmente.
“Mesmo a pandemia terminando, leva um tempo para as propriedades de business tirarem essa diferença. Não acho que o hotel de business vai acabar. Mas a recuperação será mais devagar. Nosso fundo não tem propriedade de business. São todas de turismo”.
Mesmo nos hotéis de turismo, a dinâmica tem sido distinta entre as propriedades urbanas e as não urbanas, segundo o gestor.
“Hotéis na Vila Madalena e no centro de São Paulo ou mesmo na Lapa, no Rio de Janeiro, por exemplo, têm uma recuperação mais lenta. Quando a gente olha praia, o negócio está voando. Até em Bonito onde inauguramos em janeiro, está lotado. Nos hotéis de centros urbanos, a procura depende de grandes eventos ainda muito aquém do que eram antes da pandemia”.
Impacto da guerra na Ucrânia
Caldeira não acredita que o conflito na Ucrânia traga consequências muito prejudiciais e de longo prazo ao turismo e ao mercado de FIIs. Para o gestor, o que pode definir mais o cenário para o mercado é a política monetária dos Estados Unidos, ou seja, o que o Federal Reserve – banco central norte-americano – vai decidir para a taxa básica de juros.
“Mesmo com o petróleo disparando, o dólar recua. Acho que a gente vai ter um ano bom apesar de tudo. A inflação vai continuar cedendo e, ainda neste ano, acho que a gente deve ver o início do recuo dos juros também. Até mesmo as eleições não devem trazer grandes surpresas para o mercado”.
Diante de tanto otimismo, resta saber se o gestor do FII já recuperou o sono perdido com os problemas durante a pandemia. Será?
“Ainda não. Estamos longe disso ainda (risos)”.