O tímido esforço ESG do mercado imobiliário brasileiro
Especialista Gesner Oliveira estima entre 10% e 15% da indústria adotando – de fato - medidas sustentáveis e alerta sobre deficiências tributárias e métricas que atrasam desenvolvimento do setor

Gesner Oliveira é uma das maiores autoridades no assunto sustentabilidade aqui no país e aceitou o convite do Clube FII News para falar sobre a situação das práticas ESG no mercado imobiliário brasileiro.
Fez críticas duras às falhas na implementação de medidas que promovam cada palavra inserida na sigla: Environment, que na tradução do inglês significa meio ambiente, Social, de responsabilidade social nos empreendimentos, e Governance, de governança que representa as condutas empresariais éticas.

A partir da experiência na área administrativa, Gesner Oliveira também apresentou sugestões para a solução de problemas no setor.
O economista é Phd pela Universidade da Califórnia (Berkeley), mestre pela Unicamp e bacharel pela FEA-USP. Foi presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Atualmente, é sócio da GO Associados e coordenador do Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Acompanhe esta conversa e reflita sobre o caminho que a indústria ainda precisa percorrer para ser – de fato – sustentável.
Clube FII News (CFN): Gesner, qual a situação das práticas ESG no mercado imobiliário brasileiro?
Gesner Oliveira (GO): Para dar o ponta pé inicial, eu divido a agenda ESG em três grupos neste setor: aquele que está muito atento ao assunto e vê inúmeras oportunidades no trabalho com projetos sustentáveis para reduzir o consumo de água, energia e priorizando a ventilação natural. São várias técnicas, a exemplo da água de reuso, aproveitamento da água da chuva ou a drenagem verde. Criando produtos diferenciados no projeto, o consumidor e o mercado acabam percebendo.
Mas eu arriscaria dizer que uma outra parcela do mercado é totalmente reativa e faz o mínimo para atender a alguns padrões. Na construção das janelas de um prédio de escritórios, por exemplo, procura o material mais barato sem preocupação com a sustentabilidade.
Há ainda outra grande parcela do mercado que nem sabe o que é ESG.
No Brasil e na América Latina inteira, há um mercado informal bastante grande onde também há um elevado desperdício de materiais. Falta padronização. O descarte de material de construção é um grande problema porque é muito nocivo ao meio ambiente.
São problemas estruturais ainda bem difíceis, mas há uma parcela do mercado que já percebeu uma avenida para a geração de valor real em habitações e escritórios mais eficientes, desejados e muito mais adaptados ao que será uma obrigação nas próximas décadas.
CFN: A legislação brasileira ainda é frouxa nas exigências?
GO: Acho que há dois problemas com a legislação brasileira. O sistema tributário não estimula materiais sustentáveis. Você não tem nenhum ganho tributário ao utilizar um material sustentável. Não há estímulo para aquilo que deveria ser estimulado, tanto nos impostos federais, quanto nos estaduais. As alíquotas de IPI e ICMS não têm nada a ver com critérios de sustentabilidade.
Outro problema básico é a lei que não pega, que não é respeitada. Aí, surge a informalidade que gera uma série de distorções, a exemplo dos descartes ilegais.
Em uma obra, se há um descarte em local adequado, encaminhado a um aterro adequado, você vai pagar um determinado montante. Se colocar em um bota-fora clandestino, vai ser mais barato. Por isso, ainda há muito problema com a disposição final dos resíduos. Acho que essa economia subterrânea e o desrespeito sistemático à legislação causam mil problemas ambientais. É um problema seríssimo, mas pouco discutido no Brasil.
Vale também para a Amazônia. O problema não é que a legislação é fraca, mas a pessoa ignorar a legislação. Faz garimpo ilegal, invade área de preservação... Nas cidades, o pessoal descarta qualquer coisa em qualquer lugar.
Eu sou um fanático pelo projeto de despoluição do Rio Pinheiros, em São Paulo. Mesmo com esse esforço todo, ainda tem gente descartando coisas no rio que não têm nada a ver. Um esforço danado para limpar e o pessoal sujando.
CFN: Haveria a possibilidade de estimar qual a fatia que realmente se preocupa com ESG no mercado imobiliário brasileiro?
GO: Até onde eu sei, não há uma pesquisa sobre isso. A gente não tem esse número. Eu vou dar uma percepção, uma impressão mesmo. A gente está falando de 10% a 15% que têm essa preocupação no mercado.
Uma parcela que atende a camada de renda mais alta, tem unidades de alto valor unitário e com papel de liderança. Acho que, sem sombra de dúvida, o mercado vai começar a mirar nisso. Mas o país precisa gerar mais renda e oportunidades para que isso realmente seja viável. Na última década, a gente cresceu menos que 1% ao ano e ainda tem um déficit habitacional muito grande. São problemas estruturais muito grandes.
Mas, como política pública, poderiam existir parcerias público-privadas (PPPs) para a habitação e o aluguel sociais com uma preocupação de sustentabilidade muito forte. Uma concepção de moradias que sejam sustentáveis e com a utilização de materiais sustentáveis. O resgate da madeira como material nas construções, por exemplo. Com um manejo adequado de florestas, causa um impacto positivo.
CFN: Quais são as referências no mundo em ESG no setor imobiliário?
GO: Eu diria que o mercado europeu é mais rigoroso. Os países nórdicos têm um padrão de projeto, construção, escolha de material e manutenção com grande preocupação em relação à questão ESG. As melhores referências são Suécia, Dinamarca e Noruega. Naturalmente, você vê muitas iniciativas de produção sustentável também no mercado americano que é pujante, enorme em termos absolutos.
CFN: Nesta conversa, a gente nem mencionou a parte do S da sigla que representa o social.
GO: É verdade. No aspecto do S, os países nórdicos são mais avançados. A preocupação nos países em desenvolvimento como o Brasil, é realmente combater os regimes extremamente precários e que, em algumas regiões, podem chegar à escravidão. É necessário ter uma atenção muito grande com o S nos dois sentidos: do respeito, segurança e dignidade no trabalho, e também no atendimento das necessidades de moradia das populações mais vulneráveis.
Eu acho que, nesse segundo campo, é que a gente também tem uma avenida de oportunidades. Hoje, diferente de décadas anteriores, há uma noção de moradia como um serviço. É muito mais forte a ideia de moradia dentro do conceito do nomadismo digital. As pessoas estão com uma mobilidade muito maior. É uma noção muito recente e acelera o processo de moradia enquanto fluxo de serviços. Isso pode ajudar uma parcela crescente do mercado a buscar um serviço de moradia, ou seja, comprar um serviço por determinado tempo.
Do ponto de vista social, a ideia do aluguel social - bastante forte na Europa e que também cresce nos Estados Unidos - pode ser um caminho para reduzir o problema do homeless, das pessoas sem moradia, no Brasil.
E quando a gente compara a quantidade de imóveis vazios e a quantidade de pessoas sem casa, é impressionante: há muito mais imóvel vazio do que pessoa sem casa. Tem que haver uma oportunidade de se cruzar essas coisas.
CFN: Lembrando que o centro de São Paulo é algo muito triste, onde há grandes espaços vazios ou só dedicados ao estacionamento de carros, por exemplo, com preços caríssimos, enquanto há muitas pessoas nas ruas.
GO: É impressionante a quantidade de pessoas. Acho que a gente nunca assistiu a tanta gente sem moradia.
CFN: O mercado imobiliário tem entidades muito fortes, com lobby muito poderoso. O que cabe a elas reivindicar para a legislação ou tributação de modo a melhorar essa parte ESG do setor imobiliário? O que falta fazer?
GO: Talvez três linhas de ação. Uma no sentido social de rever os programas de moradia que, muitas vezes, são de marketing político e expulsam as populações mais pobres para a periferia das cidades onde há pouca infraestrutura. É cada vez mais importante um planejamento urbano que valorize os centros das cidades e procure criar espaços onde as pessoas reocupem lugares próximos ao seu local de trabalho e onde tenha infraestrutura.
Infelizmente, o Brasil seguiu um padrão dos Estados Unidos de cidades espalhadas onde você precisa de carro pelo transporte púbico ser muito precário. Isso gera um problema de mobilidade urbana monumental, com uma grande necessidade de investimento em estruturas viárias e um aumento de poluição atmosférica.
Eu tenho impressão que o primeiro caminho é trabalhar para verticalizar as cidades, valorizar os centros – em cidades policêntricas porque não existe mais um centro só – e incentivar essa proximidade entre trabalho e local de moradia. Os dados do IBGE são claros no sentido de que o homeoffice realmente ganhou um espaço fenomenal. Isso ajuda na mobilidade urbana e na necessidade de investimento em infraestrutura urbana.
Uma segunda linha é uma reforma tributária que elimine a discriminação contra os materiais mais sustentáveis. É necessário subsidiar aquilo que gera mudança positiva. Isso é essencial.
A terceira linha é um movimento para métricas de ESG adequadas ao setor e que estimule benchmarks - referências. Precisa haver um ranking para que, em vez da empresa só fazer um marketing bonito de ‘olha, os nossos imóveis são melhores, verdes etc’, ela possa realmente provar a sustentabilidade do projeto, além de indicadores de consumo de água, energia elétrica e utilidades públicas em que se poupam, de fato, recursos.