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    Os ganhos sem juros do Islamismo

    Religião que predomina no país da Copa impede negócios especulativos por investidores muçulmanos. Especialista brasileiro diz que mercado e Fundos Imobiliários podem ter capital 'flexível' às regras

    Por Luciene Miranda
    sexta-feira, 2 de dezembro de 2022 Atualizado

    Imagine a maioria dos Fundos Imobiliários com portfólio composto por Certificados de Recebíveis Imobiliários – os fundos de papel - ser considerada ilegal para os investimentos.

     

    Estamos falando de uma parcela maior que 40% da carteira do IFIX – o índice da B3 para os FIIs - formada apenas pelos fundos de CRIs.

     

    Os ganhos sem juros do Islamismo

     

    Se o CRI cobra a correção monetária, a exemplo do IPCA, somada a uma taxa de juros – caso de praticamente todos os títulos – ele é um investimento proibido pelo Alcorão, o livro sagrado do Islamismo.

     

    O instrumento financeiro também pode ser banido pela Sharia que é a legislação regida pela religião islâmica.

     

    O motivo? Os juros somados ao indicador de inflação são considerados uma prática de usura, ou seja, o ato de cobrar taxas superiores aos limites legais ou realizar contrato abusando da situação de necessidade da outra parte para a obtenção de lucro excessivo.

     

    Um dos maiores especialistas brasileiros no tema, Ahmed Sameer El Khatib, coordenador do curso de Finanças da Fecap e professor adjunto da disciplina na Universidade de São Paulo, explica que o conceito de ganho é diferente na religião islâmica.

     

    O Islamismo promove o ganho de todos ao invés do lucro de uns vinculado à perda de outros.

     

    “O livro sagrado do século VI - um conjunto de versos com alguns conceitos importantes sobre o tratamento do dinheiro - prevê que a usura é prática condenável por Deus. Você não pode emprestar e cobrar juros em função do tempo porque o tempo pertence a Deus. E isso não foi criado pelo Islamismo porque as três religiões monoteístas – que creem em um só Deus – praticam este conceito”.

     

    Ahmed Sameer El Khatib é um dos maiores especialistas brasileiros em sistema financeiro islâmico que condena a cobrança de juros nos negócios  (Foto: Divulgação - Arquivo pessoal)

     

    Khatib complementa que os juros, segundo o Islamismo, escravizam o inimigo e o dinheiro não é uma commodity que gera mais dinheiro apenas no decurso do tempo. O investimento precisa, sim, render a partir da vinculação com alguma riqueza.

     

    Esta conduta é praticada por mais de 700 instituições financeiras islâmicas em todo o mundo, de acordo com o professor. Um sistema que gira em torno de US$ 3 trilhões por ano em negócios.

     

     

    E no país-sede da Copa do Mundo?

     

    Você deve estar se perguntando como foi possível a Copa do Mundo - evento global que atrai investimentos de todo o planeta - ser realizada no Catar, um país islâmico.

     

    A resposta de Khatib é que lá os negócios ‘ao estilo ocidental’ também são permitidos.

     

    “O sistema não é mandatório nos países de maioria islâmica. Um exemplo é o Catar, sede da Copa do Mundo, que é um país islâmico da região do Golfo (Pérsico) exploradora de petróleo e com muitos recursos nas mãos de poucas pessoas. O país não é islamizado, ou seja, os sistemas político, econômico e financeiro não são 100% islâmicos. Assim, podem operar lá bancos ocidentais que, aliás, são a maioria”.

     

    Por outro lado, países como o Irã, Sudão e outros na África são totalmente islamizados e não permitem um sistema bancário diferente.

     

    Outra proibição é da prática de jogos de azar – o que traduzido pelo sistema financeiro islâmico pode ser entendido como aposta.

     

    “Eu não posso apostar, por exemplo, em um derivativo exótico ou em um instrumento financeiro que aposta em algo que não existe, o que caracteriza um investimento meramente especulativo”.

     

    O sistema financeiro islâmico prega que os parceiros de negócios sejam como sócios e todos ganhem, seja o originador do negócio ou o destinatário do capital.

     

    Na busca por diversificação de investimentos para o dinheiro originado do petróleo – fonte não renovável de energia – o capital islâmico busca alternativas em todo o mundo, a exemplo do mercado imobiliário.

     

    Mas, como é possível fazer negócios com aluguéis, por exemplo, sem ter o impedimento dos juros proibidos pelo Alcorão?

     

    “O capital do banco sempre tem que estar relacionado a algum tipo de atividade produtiva. A exploração de um aluguel é uma atividade produtiva. Os muçulmanos são empreendedores e gostam de correr risco, mas com atividades que não sejam ilícitas”.

     

    Operações que receberiam o dinheiro de investidores muçulmanos, de acordo com o professor, seriam lajes corporativas já alugadas ou shopping centers com a venda consolidada.

     

    “Para ele [o muçulmano], este é o melhor dos cenários”, explica.

     

     

    Riscos e perdas compartilhados 

     

    No sistema islâmico, os riscos e perdas são compartilhados, o que é chamado 'profit and loss sharing', no terno em inglês. Segundo Khatib, isso pode ser comparado às cooperativas de crédito que, ao final do ano, dividem os lucros entre cotistas e cooperados.

     

    “Num sentido mais estrito, eu não poderia ter um Fundo Imobiliário em que um dos inquilinos da laje vendesse bebidas alcóolicas. Portanto, eu tenho que analisar a qualidade desse fundo e saber qual a natureza das operações”.

     

    Por isso, o capital muçulmano leva em conta a decisão de um conselho administrativo – conhecido como Sharia board - antes de qualquer investimento, e os conselheiros podem requerer, inclusive, consultoria local para assegurar a viabilidade de um negócio. Uma espécie de ‘due diligence’ dentro dos preceitos islâmicos.

     

    O fundo Mudaraba dos Emirados Árabes, por exemplo, está presente em negócios aqui no Brasil desde shopping centers, commodities até time de futebol.  

     

    Capitais dessa natureza podem estar alocados em Fundos Imobiliários, embora o especialista não afirme isso com certeza porque os investidores muçulmanos não costumam ‘declarar’ a religião, o que compromete qualquer possibilidade de estatística.

     

    E como ter lucros em um país como o Brasil com política e economia extremamente instáveis sem a ‘cobertura’ de juros para os negócios?

     

    “O primeiro olhar é para a rentabilidade do negócio e a maximização do resultado desde que vinculadas a uma obra que gere riqueza, seja tangível e que notadamente melhore as condições de uma determinada região. Por isso, é feita uma avaliação de risco dentro e fora do banco”.

     

    Talvez ainda não existam bancos islâmicos no país devido ao elevado risco relacionado à economia brasileira, segundo o professor.

     

    Outro fator que dificulta a presença aqui de uma instituição financeira sob os preceitos da religião é a falta de um marco legal, como há no Reino Unido.

     

    No Senado, um projeto de lei de autoria do senador Jean Paul Prates tramita desde 2021 na tentativa de criar um marco legal que ofereça o ambiente fiscal necessário para um banco islâmico ser operacional no Brasil.

     

    “Desde os anos 1990, bancos islâmicos atuam livremente no Reino Unido, mas antes foi necessário que o parlamento de lá aprovasse um colchão de proteção contra tributação ou dupla tributação das divisas e outras questões mais delicadas pelas quais o nosso Banco Central ainda não teve interesse”.

     

    Por aqui, existe o Abu Dhabi Islamic Bank com representação em São Paulo, mas que, de acordo com Khatib, não vende crédito e atua apenas para levar empresas brasileiras a países islâmicos.

     

    Os bancos muçulmanos atuam também na Malásia, Indonésia, China, Alemanha e Estados Unidos.  

     

    Aos países dos continentes americanos, o professor estima que apenas de 2% a 3% do capital global islâmico seja destinado pela falta de uma estrutura que proporcione segurança ao investidor muçulmano.

     

     

    O calote de Eike Batista nos muçulmanos

     

    Apesar dos cuidados antes de ‘comprar Brasil’, o professor lembra que o capital muçulmano já encontrou armadilhas em investimentos aqui no país.

     

    Um exemplo recente é dos negócios portuários conduzidos pelo empresário Eike Batista que, em seguida, deu o calote nos credores.

     

    “O primeiro investidor que conseguiu acionar e reaver o dinheiro de Eike foi o fundo Mubadala porque o negócio estava arbitrado internacionalmente”, lembra.

     

    Para mitigar riscos como este sem a aplicação de juros sobre juros, os bancos muçulmanos têm políticas ortodoxas de concessão de crédito e exigem mais garantias do que os correntistas brasileiros estão acostumados.

     

    “São bancos que, praticamente, ficaram ilesos à última crise Subprime de 2008 e 2009. Nenhum banco islâmico quebrou de lá para cá. Pelo contrário, tiveram crescimento de 12% a 14% ao ano”.

     

    Além das operações financeiras, uma fonte importante de receita destas instituições é a cobrança de um imposto religioso dos clientes, o Zakat. 

     

    “Um dos pilares do sistema financeiro islâmico é o Zakat. Toda a renda do muçulmano limitada a 2,5% ao ano deve ser direcionada a instituições de caridade, mesquitas ou pessoas órfãs. Muitas vezes, o cliente deixa que o banco faça isso, o que é um serviço remunerado”.

     

     

    "Me perdoa, Deus!"

     

    Mensurar a presença de investidores e capital muçulmanos no mercado financeiro do Brasil não é tarefa possível, de acordo com o especialista. Isso porque, na maioria das operações, a religião não é declarada pelos participantes.

     

    “Certamente existem, mas não são os investidores islâmicos Sharia raiz”.

     

    Khatib faz um paralelo com a própria situação. Ele afirma ser muçulmano praticante do Ramadã que prevê um mês inteiro de jejum.

     

    “Eu não posso trabalhar, beber água durante o dia ou conversar. Não posso fazer nada além de ficar rezando e rezando. Mas o Islamismo tem alguns remédios para moradores de países não islâmicos, como não fazer o jejum e dar um prato de comida a um necessitado todo dia”.

     

    E esta flexibilização permitida a quem mora em lugares onde não se pratica a cultura islâmica vale também para os investimentos.

     

    “Estou num país com 13,75% de Selic, mais 7% de inflação e um risco político enorme. Me perdoa, Deus, mas eu preciso ganhar meu dinheiro”, brinca.


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