Decisão de colegiado da CVM sobre o MXRF11 poderia afetar toda indústria de FIIs
Regra geral de distribuição de rendimento pode sofrer mudanças radicais e especialistas do mercado repercutem propagação para outros FIIs

Na noite desta terça-feira (25), o Fundo Imobiliário MXRF11 (Maxi Renda) divulgou fato relevante que tornou pública a decisão do colegiado da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que evidencia uma questão técnica do ponto de vista contábil, mas que pode abrir uma jurisprudência de grande impacto nos demais fundos imobiliários, de acordo com gestores e especialistas.
Segundo a área técnica do órgão regulador, o BTG Pactual, administrador do Maxi Renda FII, vinha distribuindo rendimentos aos cotistas calculados com base no regime de caixa, mesmo quando excediam os valores reconhecidos no lucro do exercício ou acumulados. Este excesso distribuído aumentaria a rubrica de prejuízos acumulados do Fundo de forma recorrente e, portanto, não poderia ser classificado como rendimento, mas sim como amortização do custo do capital investido pelos cotistas.

Caso essa decisão seja válida para os demais fundos, por exemplo, em um FII de tijolo, uma avaliação patrimonial que reduza a valor dos imóveis e gere um prejuízo contábil não permitiria que o fundo realize a distribuição dos rendimentos aos cotistas até a reversão desse resultado contábil. Isso o ocorreria mesmo com caixa proveniente do pagamento dos aluguéis do mês disponível para a distribuição.
Na opinião de especialistas, esta mudança 'quebraria' um dos principais pilares do fundos imobiliários que é distribuição recorrente de rendimento. Eles afirmam que os investidores precisam ficar alerta, embora seja muito cedo para prever o pior cenário.
O Clube FII News consultou a opinião de vários analistas em fundos imobiliários. Após observar a decisão da CVM, eles ponderam que é improvável a adoção da mesma medida para outros Fundos Imobiliários.
Rodrigo Cardoso de Castro, sócio-fundador do Clube FII
"Se esta decisão se propagar para fundos de tijolo, os Fundos Imobiliários se tornam um investimento mais arcaico do que o investimento diretamente em imóveis. Seria um regresso tão profundo, que me tranquiliza, pois é muito improvável que CVM não compreenda o forte impacto, talvez até mesmo fatal, para a indústria, que conta hoje com mais de 1,5 milhão de investidores."
"A grande maioria dos investidores de Fundos Imobiliários busca complemento de renda através dos rendimentos distribuídos, similarmente como um investidor que participa diretamente em imóveis. Ele quer o aluguel mensal, e se esta decisão se propagar para a indústria, significa que um fundo que tem apenas um imóvel avaliado em R$ 100 mihões, se for reavaliado em R$ 90 milhões, não poderá distribuir rendimentos até reverter o prejuízo contábil de R$ 10 milhões, o que tornaria o investimento diretamente em imóveis mais atraente para quem busca renda de aluguel. A situação atual é análoga a estarmos dirigindo carros voadores elétricos e, por uma decisão tomada, voltarmos à época quando carruagens eram puxadas por bois. Isso tudo ainda sem mencionar o impacto no caso de CRIs e FOFs, cujo o estrago seria ainda maior. Portanto, não acredito na continuidade da propagação dessa decisão. De todo modo, iremos ficar atentos e fazer qualquer mobilização necessária para conscientização da CVM e a indústria como todo".
Thiago Otuki, economista do Clube FII
"O colegiado da CVM, em sua decisão em relação ao fundo Maxi Renda (MXRF11), não dimensionou o impacto sobre os FIIs de recebíveis imobiliários e sobre o mercado como um todo. Como o próprio documento cita, o Art. 10, parágrafo único, da Lei 8.668 estabelece a obrigatoriedade de distribuição pelos Fundos Imobiliários de 95% de seus lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa. Esse é o ponto fundamental para o mercado de FIIs. Vejo que a CVM e o mercado encontrão em conjunto uma solução para manter algo que é tão apreciado pelos investidores: a distribuição regular, relativamente previsível e mensal dos rendimentos aos cotistas".
Nathan Octavio, apresentador do Clube FII Live e Educador Financeiro
"Um ponto que pode estar passando despercebido pela maior parte do mercado é o impacto na declaração de imposto de renda de centenas de milhares de investidores. Se o MXRF precisar realmente reclassificar parte de seus rendimentos para amortizações desde 2015, isso implica gerar novos informes de rendimentos, o que vai obrigar a todos os investidores que tem - ou já tiveram - cotas do fundo fazerem declarações retificadoras dos anos envolvidos e, em muitos casos, recolher DARF sobre ganho de capital com atraso, sujeito a multas e juros.
Uma pergunta fica no ar: e se daqui a algumas semanas outro fundo precisar fazer o mesmo ajuste? Serão mais cinco ou seis retificadoras que vamos ter de fazer? E se, mais à frente, for outro fundo? Vamos fazer dez, quinze, vinte retificadoras para conseguir ficar em dia com a Receita Federal?"
Otmar Schneider, analista CNPI
"A decisão da CVM trouxe uma nuvem sobre o mercado. Embora tenha sido especificamente para a questão do MXRF11, cria jurisprudência sobre o assunto. A variação patrimonial contabilmente passa pelo resultado do fundo, ou seja, pelo seu lucro líquido, mas não transita pelo caixa (tem efeito não-caixa). Na prática, os fundos distribuem os rendimentos, em sua maioria, pelo resultado operacional, o que gera rendimentos mensais e sustentáveis.
A indústria dos FIIs necessita manter o objetivo pelo qual foi criada - a geração de renda recorrente aos seus cotistas. Essa mudança pode inviabilizar o produto como o conhecemos, fato que nos leva a essa mobilização. Momentos de mercado de baixa que impactam o lucro contábil, inviabilizarão as distribuições mensais, característica deste ativo. Certo de que a intenção da CVM não é inviabilizar esta indústria, mas sim trazer clareamento sobre os pontos que estavam obscuros, especificamente para o FII em lide, concito a todos os investidores, instituições participantes e profissionais de mercado que levem à CVM um posicionamento uníssono, pró-mercado, e que resolva esta questão de forma definitiva".
André Bacci, investidor de FIIs e autor de livro
"Quanto um fundo imobiliário deve distribuir no mês? Parece uma pergunta simples, que evoca respostas também simples. Até é fácil de imaginar: somam-se as receitas, subtraem-se as despesas, o que sobra é quase tudo (95%) distribuído. Parece, mas não é. Tem várias situações que não são bem receitas ou despesas, mas que existem na vida dos fundos imobiliários. Custos judiciais, obras capitalizáveis, pagamento de dívidas, correção monetária - só essa última, desce pelo seu próprio buraco de coelho... A listagem já é longa, mas as discussões seguem infinitas.
A recente decisão do colegiado da CVM percorre um labirinto de tecnicidades áridas, mas que desembocam em uma consequência de fácil explicação: fundos imobiliários perdem a linearidade. Um fundo de tijolo, que recebe aluguéis, pode ficar sem rendimentos de repente. Por meses. Por anos. Para quase sempre. Basta chegar um laudo informando que o imóvel vale menos. Boom! Sem rendimentos. E fundos de fundos? Basta o mercado baixar e sem rendimentos também. Nem fundos de crédito se salvam, pois basta os juros subirem que você também ficará sem rendimentos. Nenhuma classe está a salvo. Tenebroso mundo novo."
Rodrigo Costa Medeiros, analista DesmistificandoFII
"Isso gera diversas implicações, entre elas, repercussões tributárias. A decisão é feita no âmbito do colegiado da CVM e tem potencial de estender os efeitos para todos os FIIs do mercado, não obrigatoriamente, afetando a distribuição de todos eles de forma imediata, mas pode ser uma interpretação a ser seguida por todos os administradores.
Ainda que a decisão seja no âmbito do colegiado, é possível haver pedido de reconsideração desta decisão e, neste momento, o investidor precisa estar munido de informações e saber que muita coisa vai ocorrer ao longo do tempo."
Giovana Della Pasqua, analista CNPI-T
"A CVM está fazendo seu papel como órgão regulador do mercado de capitais brasileiro. Devemos nós, analistas, investidores e gestores, junto com ela encontrar uma forma para manter a atratividade e o fluxo de novos investidores a dedicarem parte de suas reservas financeiras a Fundos Imobiliários. Os esforços e a mobilização aqui apresentados são para que possamos convergir para uma padronização ao final do processo. A grande bandeira a ser levantada é o diálogo para não desconstruir o 'produto' Fundos Imobiliários."
Felipe Ribeiro, sócio Quatá Imob
"Nossa visão na Quatá Imob é que a CVM é antes de tudo uma instituição séria e que realmente está olhando para o mercado com lupa, conforme a Supervisão Baseada em Riscos, que neste biênio está olhando diversos pontos importantes da indústria de FII entre outros: o valor justo dos ativos dos FIIs. O que ainda está a ser clarificado é a diferenciação entre “marcação” de ativos e realização. Se no fato da marcação os FIIs não puderem distribuir , temos muita dificuldade em entender como a indústria de FIIs irá se reinventar."
"O que é bonito de ver é a indústria se movimentando como um todo para defender os nossos interesses (cotistas, Gestores, analistas e influencers). Nenhuma indústria tem isso no mundo. Uma decisão do colegiado da CVM é muito difícil de ser revertida, mas é possível. Para que isso aconteça precisamos nos movimentar . A favor da indústria. É isso que estamos fazendo nos movimentando a favor da indústria."
Wagner Mancini, investidor de FIIs desde 2010, membro do GRIFI
"Investidores de FII investem há muitos anos neste tipo de aplicação para gerarem renda recorrente, muitos destes pensando em construir sua própria aposentadoria ao longo de muitos anos. A previsibilidade de renda mensal é essencial para este tipo de investimento, porém uma eventual mudança para distribuição em cima de lucro contábil pode inviabilizar totalmente este tipo de investimento. A CVM precisa olhar para quem são os investidores antes de tomar decisões que podem destruir o patrimônio dos investidores e a motivação do investimento."
Thiago Pereira, investidor de FIIs e produtor de conteúdo
"Como Investidor de Fundos Imobiliários e entusiasta deste mercado, com o qual temos o objetivo de gerar Renda Passiva complementar, possibilitando uma "Aposentadoria mais digna", não dependente do INSS, vejo com muita preocupação o documento encaminhado pela CVM ao administrador do Fundo Imobiliário MXRF11, o qual gera uma discussão contábil capaz de, ao se extender a todo a este mercado, reduzir ou até eliminar completamente, justamente um dos arcabouços da indústria que é a distribuição de Renda Mensal aos cotistas de Fundos Imobiliários."
"Esperamos que, com a união de todo o mercado, a CVM possa reavaliar essa decisão, possibilitando, com isso, que Pessoas Físicas continuem sendo capazes de construir um Patrimônio que lhes garanta uma Liberdade Financeira."
Erika Albuquerque, investidora de FIIs e produtora de conteúdo
"Como investidora de Fundos Imobiliários e entusiasta desse mercado, solicito esclarecimentos junto à CVM referente à discussão contábil que impactaria a distribuição de rendimentos aos cotistas dos Fundos de Investimentos Imobiliários.
Apesar do apontamento específico para o fundo MXRF11, tal documento encaminhado pela CVM acaba criando dúvidas e insegurança jurídica em um mercado, cujo os investidores são em sua maioria de pessoas físicas. E que além de não possuírem conhecimentos técnicos específicos, são muito sensíveis a estas notícias, podendo causar uma evasão dos cotistas dessa classe de ativos em momento inoportuno, com realizações de prejuízos devido ao pânico gerado."
"Quero lembrar que muitos de nós investimos o dinheiro, fruto do trabalho árduo, com o objetivo principal de montar uma carteira previdenciária, e para gozarmos dos rendimentos mensais, muitas vezes necessários à complementação de renda ou aposentadoria. Temos que ter cuidado, pois, é uma indústria em crescimento e que gera muita riqueza e desenvolvimento para o país. Sei da boa intenção e diligência da CVM, e certa de que o melhor será feito, afim de preservar a indústria de fiis e seus investidores."
Marcelo O. Pazzetto, investidor de FIIs desde 2010
"Muito nocivo para o mercado de FIIs esse tipo de atitude sem ao menos fazer um Chamamento Público com os players do mercado para discutir o assunto. A CVM como um órgão regulador deveria estar tratando de assuntos em criar regras mais claras possíveis para que Gestores tenham um norte de gerenciamento dos Ativos, antes de tomar decisões que afetem o mercado negativamente, onde pessoas físicas investem há muito tempo usando esses tipos de Ativos Financeiros, para gerar renda recorrente como forma de complementarem suas rendas e não dependerem de "Governos."
"Os FIIs já nasceram com essa característica de Renda Recorrente e mudar a regra do jogo em pleno jogo acontecendo, pode gerar consequências irreversíveis ao mercado como um todo, como poderá gerar prejuízos enormes junto à Receita Federal aos investidores."
Jacinto Santos, sócio e analista do Fundsexplorer
"A indústria de fundos imobiliários possui um propósito claro de viabilizar empreendimentos imobiliários com captação de recursos pulverizada via mercado de capitais, onde se encontram investidores, especialmente, aqueles pessoa física que, por entenderem esse produto como bastante previsível em termos de distribuição de rendimentos, aportam, constantemente, recursos nos mesmos. Acontece que, apesar de compreender a decisão do Colegiado da CVM, esta vai contra a própria lei dos FIIs, proporcionando instabilidade jurídica e contábeis, minando não só o produto em si, mas a credibilidade institucional do propício regulador do mercado que deveria zelar pelo funcionamento pleno do mercado de capitais e incentivar o investimento. Portanto, a CVM deve reiterar e estabelecer regras mais claras e perenes para o funcionamento, especialmente, dos FIIs, de forma a manter a atratividade do produto e evitar a destruição de valor nesta indústria entre outras que a decisão de ontem pode impactar. "
Maria Fernanda Violatti – analista de research da XP
"A decisão da CVM pode eventualmente refletir em todo mercado, o que a meu ver seria algo muito prejudicial para a classe dos fundos imobiliários, se realmente for de entendimento que os fundos não poderiam mais distribuir rendimentos no caso de caixa negativo (não ter lucro contábil). O momento requer cautela do investidor e também é prudente aguardar um posicionamento da própria CVM."
Arthur Vieira de Moraes - apresentador do programa FIIs em Exame e professor
"Procuro sempre tentar me colocar no lugar das outras pessoas. Eu li e reli muitos documentos e leis sobre a decisão da CVM em 25/01/22 e, se eu fosse um dos diretores, não saberia dizer como eu teria justificado o meu voto.
Sabe prego na areia? É assim a base jurídica e regulamentar para como apurar o lucro a distribuir em um FII. A Lei 8.668/93 manda apurar um lucro que não existe no mundo da contabilidade (“lucro apurado segundo regime de caixa”). Em 2014 a CVM editou um ofício circular para orientar administradores sobre a distribuição de resultados dos FII. Dizendo que deveriam partir do lucro contábil (que é o lucro que existe, de fato, na contabilidade) e ajustá-lo pelos efeitos das receitas/despesas contabilizadas e ainda não recebidas/pagas no mesmo período de apuração e dando mais detalhes para deixar claro que só o que circulou pelo caixa (seja receita ou despesa) no semestre pode ser distribuído.
Confuso, né?
Desde então administradores dos fundos de tijolo adotam a prática de olhar apenas para o que é caixa, ou seja, tudo o que entrou e tudo o que saiu de dinheiro, seja com renda ou venda, apurar o resultado (vendas com prejuízos diminuem o resultado final) e distribuir sobre este lucro. Não consideram outros fatores de efeito meramente contábil, como a diferença da avaliação dos ativos de um período para o outro (imóveis, CRIS, cotas de FII etc.). Já nos fundos de papel há práticas diversas, alguns distribuem com base em resultados ainda meramente contábeis, mas isso tem mais a ver com antecipar algo que o fundo tem a receber do que considerar um resultado meramente contábil (valorização ou desvalorização dos ativos) para apurar o resultado. O entendimento da decisão da CVM divulgada ontem vai na linha de que efeitos meramente contábeis, de valorização ou desvalorização dos ativos, ainda que não tenham sido efetivamente realizados por conta das vendas, sejam considerados para apurar o resultado, e só a partir daí o fundo pode distribuir, se apurar lucro. Dá para dizer que é o certo ou que está errado? Na minha opinião, não. A lei não esclarece (na verdade confunde). Mas dá para saber que o efeito prático disso não é razoável e, a meu ver, nem desejável.
Se passar a ser a forma “correta” de se fazer, muita coisa muda. Talvez os fundos passem a distribuir somente a cada semestre, certamente alguns fundos terão lucro caixa, mas não poderão distribuir por conta de prejuízos meramente contábeis, assim como alguns poderão distribuir mais do que o caixa (ou fazerem reservas), por terem tido lucro contábil maior do que o caixa, apoiados nos mesmos efeitos meramente contábeis. Os diretores da CVM decidiram, mas não de forma unânime. Quem votou por mudar a prática de mercado considerou o efeito sistêmico, se ateve meramente ao caso prático (MXRF11) e fundamentou a decisão na Lei 8.668/93 e no ofício circular de 2014. Quem votou contra idem. Como você fundamentaria o seu voto se fosse um dos diretores da CVM? Solução mesmo? Mudar a lei e acabar com a fonte de dúvida. Medidas paliativas? Um novo ofício da CVM revendo esse entendimento e especificando melhor o que deve ou não entrar na apuração de resultados. Risco é a incerteza que se pode medir. Então o risco do mercado de FIIs aumentou desde ontem. Vai diminuir se e quando a CVM se sensibilizar em adotar mais uma medida paliativa."