Uma fábrica, dois caminhos: o que a BYD revela sobre o tabuleiro geopolítico do Brasil e do México?
Enquanto o Brasil fortalece laços com Pequim e recebe aportes bilionários, o México lida com pressões dos Estados Unidos para conter a presença de empresas chinesas

Recentemente, a BYD inaugurou sua fábrica em Camaçari, na Bahia. O primeiro galpão está pronto e a produção experimental dos primeiros modelos - uma espécie de ensaio - já começou. A empresa não é a única chinesa a investir na produção no Brasil. A Jovi, maior fabricante de celulares do mundo, também chegou recentemente ao país e instalou sua fábrica em Manaus.

Shopee, Temu, Tik Tok e outras empresas de tecnologia e varejo também entraram com força para atuar no mercado - não apenas no brasileiro, mas em toda a América Latina. Porém, mesmo com a presença chinesa sendo forte na região, o cenário é diferente em cada lado da fronteira.
No único país latino-americano da América do Norte, o México, um debate público gira em torno de se a BYD construirá ou não uma fábrica no país. O conflito se desenrola não apenas em torno da montadora, mas envolve empresas chinesas em geral. A tecnologia atua como um prêmio estratégico em uma disputa não tão silenciosa entre potências globais – algo que, embora presente no Brasil, não é tão sentido por aqui.
Na última segunda-feira (7), no Ministério dos Transportes, em Brasília, foi firmado um acordo entre Brasil e China para iniciar uma série de estudos conjuntos sobre um corredor rodoviário que ligará os oceanos Atlântico e Pacífico. Chamada de Ferrovia Bioceânica, a rota será utilizada para comércio saindo do porto de Chancay, no Peru, até o outro lado do continente, como parte do plano da Nova Rota da Seda.
Brasil e China
Diferentemente do México, a parceria entre Brasil e China também se deve às relações multilaterais no grupo econômico do qual ambos os países fazem parte: o BRICS. Um dia após o anúncio da ferrovia – que será uma alternativa ao Canal do Panamá (que não é mais controlado pelos chineses) -, Donald Trump, presidente dos EUA, afirmou que os países do BRICS serão submetidos a uma tarifa extra de 10%, um movimento semelhante ao realizado meses atrás.
No dia seguinte, Trump acusou o Brasil de perseguição política ao ex-presidente brasileiro e anunciou outra taxação: 50% para produtos exportados pelo Brasil. Atualmente, porém, a balança comercial brasileira pende para o lado chinês.
Em 2024, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o principal destino das exportações brasileiras é a China, com um acumulado de US$ 94,4 bilhões. Os EUA aparecem em segundo lugar, com US$ 40,3 bilhões.
Além das exportações, o maior parceiro comercial do Brasil em importações também é a China. Em 2024, o país importou mais de US$ 63,6 bilhões, fator que explica o interesse comercial mútuo.
Dados do Market Analytics da SiiLA mostram que a segunda maior ocupante de condomínios logísticos no Brasil é uma empresa chinesa: a Shopee, atrás apenas da companhia argentina Mercado Livre.
México e China
Jorge Vellejo, diretor da BYD Motors no México
Voltando ao México, a proximidade com os EUA pode ser um entrave à consolidação chinesa no país. Por um lado, Pequim tem sido mais cautelosa quanto ao andamento de projetos, temendo a exposição de tecnologia sensível em um país tão próximo e sob influência direta de Washington. Por outro lado, os EUA vêm dificultando a venda e exportação de equipamentos ou sistemas fabricados, projetados ou controlados por empresas chinesas - mesmo quando montados em solo americano - por preocupações com espionagem.
Nesse contexto, o México é tanto um destino de investimento quanto uma plataforma. Para a China, é uma porta de entrada para o mercado americano; para os EUA, uma frente estratégica. Como resultado, todo equipamento, software ou sistema chinês em território mexicano torna-se um dilema diplomático. Atualmente, mais de 200 empresas chinesas operam no mercado imobiliário comercial do México, das quais 47% são voltadas ao setor automotivo ou à sua cadeia de suprimentos, segundo dados da SiiLA. A essa rede somam-se fabricantes e prestadores de serviços locais que atuam como plataformas regionais para marcas asiáticas por meio de produção, logística ou representação comercial. Um exemplo é a LTD Solutions, que representa e produz para empresas como CATL e Foton.
O problema de ser um intermediário - dependente de ambas as potências para acessar o mercado industrial - é que, sob pressão bilateral, o México precisa manter sua própria ordem. Algumas empresas contornam tarifas e restrições comerciais por meio de triangulações fiscais, "relabeling" de origem ou uso de intermediários. Os Estados Unidos afirmam que essas práticas configuram importação indireta de produtos chineses, que deveria estar sujeita às restrições previstas no USMCA.
Como mais de 80% das exportações mexicanas têm como destino os Estados Unidos, o México não pode ignorar esses sinais. Segundo o The Wall Street Journal, autoridades mexicanas podem ter paralisado o projeto da BYD por receio de afetar a relação bilateral - especialmente com Donald Trump no poder. Mas este não é um caso isolado. A China começou a reformular sua política industrial para alinhar-se com sua principal parceira comercial, buscando reforçar a importações chinesas, fortalecer as cadeias de suprimento norte-americanas e priorizar o conteúdo local em setores estratégicos, como automotivo, eletrônico e de semicondutores. Ainda que se alinhe aos Estados Unidos, o México evita uma ruptura aberta com a China, seu segundo maior parceiro comercial. E, apesar de tudo, a BYD e outras empresas chinesas continuam tentando entrar no país. A mensagem é clara: enquanto o México mantiver uma política ambígua de dependência dos EUA, o investimento chinês seguirá como elemento de pressão e risco para o setor industrial.
A questão é se o investimento - chinês ou de outros — está sendo usado para construir autonomia ou apenas operação terceirizada. Até agora, muitos dos novos empreendimentos seguem o mesmo modelo: montagem simples, de baixo valor agregado, voltada à exportação para os EUA. Sem uma estratégia industrial clara, o México corre o risco de permanecer como um território de trânsito - e não de transformação.