Alta na taxa de juros sempre derruba o mercado imobiliário?
Na última reunião, Copom manteve taxa básica de juros em 15%, maior nível em quase 20 anos
O senso comum costuma seguir uma lógica que parece fazer sentido à primeira vista, mas que, sem um olhar técnico ou uma reflexão crítica, pode facilmente induzir ao erro. Há crenças que se firmam como verdades coletivas: algumas nascem da tradição, da experiência pessoal e dos "achismos"; outras, da observação rigorosa e das evidências construídas pela pesquisa científica.
Diante disso, surge uma questão: em qual dessas categorias se encaixa a ideia de que a alta da taxa de juros esfria o mercado imobiliário comercial? Se seguirmos a linha de raciocínio mais simplificada, de que o aumento dos juros encarece e dificulta transações, negociações e o desenvolvimento de novos ativos, a conclusão pareceria óbvia: se o crédito fica mais caro com a alta da Selic, menos pessoas compram imóveis. Simples assim, certo?
De acordo com Danilo Barbosa, sócio-diretor do Clube FII, a alta da Selic não afeta apenas o mercado imobiliário, mas também os fundos e as ações. "Todos os ativos de renda variável sofrem com a elevação dos juros, que aumenta o prêmio de risco exigido pelos investidores." Ainda assim, ele destaca que o mercado não para: "transações e locações continuam acontecendo em ritmo acelerado, especialmente em ativos bem localizados".
Mercado residencial x comercial
A lógica faz mais sentido quando falamos de transações de pessoas físicas, que dependem do financiamento imobiliário. Nesse caso, o banco empresta dinheiro e cobra juros, de modo que um aumento da Selic eleva as parcelas e, consequentemente, reduz a demanda por imóveis residenciais. Esse efeito, portanto, é direto sobre o segmento residencial.
No mercado comercial, a dinâmica é diferente. Empresas e investidores não compram escritórios ou galpões da mesma forma que uma família financia uma casa. O que pesa aqui é o custo de capital, ou seja, o quanto custa para uma incorporadora ou investidor captar os recursos necessários para comprar ou desenvolver um imóvel. A alta dos juros encarece esse processo, sim, mas também reduz o ritmo de novos lançamentos, o que diminui a oferta futura e tende a valorizar os empreendimentos já existentes e bem localizados.
O mercado não desaquece, ele se ajusta
Outro ponto importante é que o mercado imobiliário comercial opera em ciclos longos. O aumento da Selic pode frear momentaneamente o início de novos projetos, mas os empreendimentos que já estão em desenvolvimento seguem até a entrega. Assim, o impacto é sempre defasado e, quando os juros voltam a cair, o fluxo de novas construções se retoma naturalmente. O mercado, portanto, não "desaquece", ele se ajusta ciclicamente.
Um exemplo claro vem do segmento logístico. Quando a Selic cai, o poder de compra da população aumenta, estimulando o consumo. O varejo cresce, as empresas ampliam suas operações e, com isso, cresce a demanda por galpões logísticos. Com o aumento da atividade e da circulação de capital, o governo tende a subir novamente os juros para conter o ritmo, e o ciclo se reinicia.
"Entre os segmentos, as lajes corporativas têm sentido mais o impacto, com maiores descontos no mercado secundário. Já o setor logístico mostra resiliência, seguido pelos shoppings, quando falamos de ativos físicos. Galpões logísticos continuam com bom desempenho, inclusive com alguns fundos voltando a emitir cotas, enquanto os shoppings têm registrado diversas transações entre fundos. As cotações ainda apresentam um leve deságio, mas menor do que o observado no segmento de lajes", comenta Barbosa.

Redistribuição de forças e papel da localização
Em resumo, a alta dos juros não necessariamente "esfria" o mercado imobiliário comercial, ela redistribui forças dentro dele. Pode funcionar, inclusive, como um ponto de equilíbrio, fortalecendo regiões já consolidadas, como a Faria Lima e a Chucri Zaidan, onde a vacância é baixa. Além disso, investidores estratégicos aproveitam esse período para comprar ativos com desconto, preparando-se para o próximo ciclo de queda dos juros.